Lá estava a lua, através da janela aberta do quarto, entrava uma brisa fria e confortava Antônio no verão soturno. O Antônio é um rapaz calmo e conhece a si mesmo, gosta de fazer amigos, apesar de nunca escolher os certos amigos, se bem que o próprio Antônio não é tão certo assim, mas entre seus amigos mais velhos, sua juventude está avançada para um pequeno rapaz.
E é assim que todos os enxergam, como um pequeno rapaz boa pinta, magrela e sempre sorridente, até em situações complicadas, Antônio dá a volta por cima sorrindo. Admito que ele não vê a vida como um mar de rosas cobrindo a consciência, a visão que ele tem do mundo é exatamente como o verão de Fevereiro, uma visão soturna da vida.
Hoje mesmo, o rapaz está acordado quando deveria estar dormindo, algo muito novo lhe aconteceu durante o dia, e o deixou numa ansiedade noturna. Esperando logo que o dia expulse a noite, retirou um cigarro para fumar, subiu na janela rente a lua e ficou a renhir o que tortura a consciência.
Baratas caminhavam escondidas pelos cantos escuros do quarto, teias de aranhas pregadas por de trás dos armários e cabelos negros desfilam ao vento pelo chão do quarto.
Antônio se queixa desta sujeira, sua triste rotina ao lado da mãe cansada e desamparada, só sabe desancar a lerdeza do rapaz, dizendo coisas que mais serve a ela própria, como uma péssima dona de casa. Tudo o que ela mais anseia são as novelas da tv, a casa fica como esteve, suja, aparentando ausência de humanos. D. Sueli é austera, a ponto de ver o filho chorando e o ignorar por não querer se envolver, ao contrário de Antônio que possui bondade demais.
A bondade, às vezes, atrapalha o individuo, num mundo onde nos deparamos com a crueldade logo que acordamos, nos colocamos no pesadelo realista em derredor de dividas, só por viver, pois até na hora da morte se gasta dinheiro, e quando somos bons demais com os outros, corremos o risco de morrer dependurado numa cruz. Bondade demais é risco de vida.
Terminando o cigarro, Antônio, ainda transbordando angústia, acende outro cigarro ao saltar para dentro do quarto, algo que D. Sueli abomina em sua presença. Sem se importar com seu ato antagonista às regras da casa, atravessa a porta do quarto e passeia pelo corredor alastrando a fumaça do cigarro. Pronto para ouvir um grito de alerta, segue para o quarto de sua mãe. O cheiro de mofo encobre preponderante ainda, o corpo estirado na cama, mesmo com o cheiro de cigarro dominando o quarto, D. Sueli ainda permanece intacta em seu leito, num espelho próximo ao canto, o rosto lépido de Antônio não reflete o que por dentro está confuso. Coberto por uma máscara alheia a sua angústia, desfere um golpe que destrói o espelho em pedaços. Antônio se coloca de pé aos pés de sua mãe e põe-se a observar a pose em que ela está, ali ficou até o cigarro chegar ao fim. Em sua cabeça passavam lembranças que preferia esquecer, mas são lembranças ruins que hoje se tornaram burlescas, não são nada mais que imagens inocentes que o tornaram forte, por isso ele as passa sem parar e segue a relembrar em busca de algo que o faça rir, até que existem algumas, se o futuro inesperado que o aguarda não torturasse tanto sua ética, ele até poderia rir de algo.
Cansado de espremer o cérebro, Antônio volta para seu quarto na tentativa de dormir tranqüilo, se vira para um lado, se vira pro outro e nada, nem sequer o silêncio das vozes em sua mente, continuam a motejar o coitado. Ele e senta no escuro, se deixa levar pela consciência, até que o alvor surge entre as festas da velha janela de madeira.
Seu rosto abatido o acompanha pelas estradas de terra. Depois de uma longa caminhada ele encontra a mercearia do Souza.
- Posso usar o telefone para uma emergência?
- Claro, Antônio, é algo com sua mãe? Pergunta Souza todo preocupado.
Antônio não tinha tempo pra dar explicações, logo que termina a ligação, sai voando sem ao menos agradecer. Durante toda tarde, Antônio ficou sentado em frente à porta de sua casa, observando as cercas que seguiam por um longo caminho até se perderem no meio do mato enorme. As moscas pousavam em seus pés, rodavam sua cabeça, e ele, nem se movia, a não ser quando era pra acender outro cigarro. Seus olhos abatidos estavam perdidos num infinito patamar de questões sombrias, a sua volta reinava um silêncio comum da rotina. Um vira lata familiar que carregava uns parasitas passou e por pouco tempo observou o rapaz com desprezo até se retirar. Seus lábios tragavam a fumaça viciosa e nada mais diziam. As bitucas de cigarro se aglomeravam no chão enquanto ele esperava. Souza, o dono da mercearia passava para retornar do trabalho e percebeu o estado em que o rapaz se encontrava, caminhou até ele na esperança de quebrar a abulia oferecendo ajuda, mesmo não sabendo qual o motivo de tanta peculiaridade.
- O que houve Antônio?
Souza não obteve êxito algum, sentiu que Antônio estava ruim, insistiu em ajudar.
- Onde está sua mãe?
Então, Antônio o olhou fixamente nos olhos e sem exprimir qualquer resposta: levantou-se e entrou. Souza começava a estranhar as atitudes do rapaz, mesmo assim decidiu segui-lo, entrou no aposento e procurou por Antônio em todos os cômodos da casa, agora a situação em que a casa se encontrava começava a assombrar Souza. Ao chegar no andar de cima se virou para a primeira porta que viu. Em poucos passos precisos e Souza se encontra tolhido na entrada dum dos quartos. Num canto quase irreconhecível, Antônio se encolhe.
- Por Deus, porque não me avisou antes rapaz? Gritou Souza. Na tentativa de se aproximar do leito de D. Sueli, suas pernas titubeantes o jogaram sobre uma cadeira próxima, D. Sueli numa aparência fúnebre. Permanecia com os olhos arregalados e brancos, sua pele pálida lhe dava a pior impressão, pior ainda de quando estava viva. Seus dedos expressavam a dor que sentira ao agonizar, suas pernas espalhadas, um para cada lado demonstrava o quanto ela se debateu ao morrer. Sua boca aberta, onde moscas entravam e saiam não podiam mais resmungar, coagir Antônio, muito menos. Restava a Antônio se retirar deste decrépito enfaro, porém o que mais o preocupava não era a morte de sua mãe, que como ele mesmo dizia, já estar morta antes mesmo de perder a vida, a angústia de Antônio era perante seu futuro. Como era muito novo pra trabalhar, vivia as custas da aposentadoria de seu pai falecido, só lhe restava morar na cidade com seus tios cristãos.
No enterro da mãe, Antônio não derramou lágrimas de dor, de seus olhos escorriam lágrimas de desespero. Os poucos amigos da vizinhança apareceram para amparar Antônio, também estavam presentes, seus tios que vieram da cidade após dois dias de viagem, eles também não choraram de dor, devem ter chorado de alívio, pois difamavam a falta de fé de D. Sueli, repugnavam suas atitudes grosseiras e desleixadas, chegaram até a fazer campanha de oração na igreja que freqüentam, agora, se o diabo possuía, ou não, o corpo da velha, só em outro plano se encontra a resposta. No caso de Antônio e toda sua bondade de rapaz civilizado, sobrou uma vida imprópria na casa dos tios.
Para os bons, a vida é muito severa, ainda mais a ele (Antônio) que nunca freqüentou a igreja, o vicio do cigarro é alvo de críticas todo santo dia. Nem bem acorda e já é requisitado pela tia que grita na porta do quarto.
- A missa Antônio, a missa!
E a impressão que acompanha sem cessar no novo lar de Antônio, é de que qualquer dia desses, ele vai ensandecer de uma vez por todas.
(Bom, pelo que me lembro, este conto foi escrito a uns dois anos atrás (2005), numa fase estranha da minha vida, acabávamos de nos mudar, eu minha mãe e irmã, viemos de Guarulhos/SP para Indaiatuba. Eu ficava no quarto escutando música clássica e fumando feito caipora, um cigarro atrás do outro. Não tínhamos amigos, começamos tudo do zero praticamente, no começo foi difícil, meu lazer era me trancar dentro do quarto e ficar desenhando, pintando ou escrevendo coisas neuróticas, ta aí o resultado de uma criatura minha – risos. Hoje as coisas estão mais estáveis, tenho amigos, não fumo mais Marlboro e nem paro dentro do quarto (muito menos em casa) mais, acho que o Antônio que vivia dentro de mim resolveu agir ao invés de se deixar levar pela bondade passiva que determinava o fluxo de vida que lhe impuseram).
E é assim que todos os enxergam, como um pequeno rapaz boa pinta, magrela e sempre sorridente, até em situações complicadas, Antônio dá a volta por cima sorrindo. Admito que ele não vê a vida como um mar de rosas cobrindo a consciência, a visão que ele tem do mundo é exatamente como o verão de Fevereiro, uma visão soturna da vida.
Hoje mesmo, o rapaz está acordado quando deveria estar dormindo, algo muito novo lhe aconteceu durante o dia, e o deixou numa ansiedade noturna. Esperando logo que o dia expulse a noite, retirou um cigarro para fumar, subiu na janela rente a lua e ficou a renhir o que tortura a consciência.
Baratas caminhavam escondidas pelos cantos escuros do quarto, teias de aranhas pregadas por de trás dos armários e cabelos negros desfilam ao vento pelo chão do quarto.
Antônio se queixa desta sujeira, sua triste rotina ao lado da mãe cansada e desamparada, só sabe desancar a lerdeza do rapaz, dizendo coisas que mais serve a ela própria, como uma péssima dona de casa. Tudo o que ela mais anseia são as novelas da tv, a casa fica como esteve, suja, aparentando ausência de humanos. D. Sueli é austera, a ponto de ver o filho chorando e o ignorar por não querer se envolver, ao contrário de Antônio que possui bondade demais.
A bondade, às vezes, atrapalha o individuo, num mundo onde nos deparamos com a crueldade logo que acordamos, nos colocamos no pesadelo realista em derredor de dividas, só por viver, pois até na hora da morte se gasta dinheiro, e quando somos bons demais com os outros, corremos o risco de morrer dependurado numa cruz. Bondade demais é risco de vida.
Terminando o cigarro, Antônio, ainda transbordando angústia, acende outro cigarro ao saltar para dentro do quarto, algo que D. Sueli abomina em sua presença. Sem se importar com seu ato antagonista às regras da casa, atravessa a porta do quarto e passeia pelo corredor alastrando a fumaça do cigarro. Pronto para ouvir um grito de alerta, segue para o quarto de sua mãe. O cheiro de mofo encobre preponderante ainda, o corpo estirado na cama, mesmo com o cheiro de cigarro dominando o quarto, D. Sueli ainda permanece intacta em seu leito, num espelho próximo ao canto, o rosto lépido de Antônio não reflete o que por dentro está confuso. Coberto por uma máscara alheia a sua angústia, desfere um golpe que destrói o espelho em pedaços. Antônio se coloca de pé aos pés de sua mãe e põe-se a observar a pose em que ela está, ali ficou até o cigarro chegar ao fim. Em sua cabeça passavam lembranças que preferia esquecer, mas são lembranças ruins que hoje se tornaram burlescas, não são nada mais que imagens inocentes que o tornaram forte, por isso ele as passa sem parar e segue a relembrar em busca de algo que o faça rir, até que existem algumas, se o futuro inesperado que o aguarda não torturasse tanto sua ética, ele até poderia rir de algo.
Cansado de espremer o cérebro, Antônio volta para seu quarto na tentativa de dormir tranqüilo, se vira para um lado, se vira pro outro e nada, nem sequer o silêncio das vozes em sua mente, continuam a motejar o coitado. Ele e senta no escuro, se deixa levar pela consciência, até que o alvor surge entre as festas da velha janela de madeira.
Seu rosto abatido o acompanha pelas estradas de terra. Depois de uma longa caminhada ele encontra a mercearia do Souza.
- Posso usar o telefone para uma emergência?
- Claro, Antônio, é algo com sua mãe? Pergunta Souza todo preocupado.
Antônio não tinha tempo pra dar explicações, logo que termina a ligação, sai voando sem ao menos agradecer. Durante toda tarde, Antônio ficou sentado em frente à porta de sua casa, observando as cercas que seguiam por um longo caminho até se perderem no meio do mato enorme. As moscas pousavam em seus pés, rodavam sua cabeça, e ele, nem se movia, a não ser quando era pra acender outro cigarro. Seus olhos abatidos estavam perdidos num infinito patamar de questões sombrias, a sua volta reinava um silêncio comum da rotina. Um vira lata familiar que carregava uns parasitas passou e por pouco tempo observou o rapaz com desprezo até se retirar. Seus lábios tragavam a fumaça viciosa e nada mais diziam. As bitucas de cigarro se aglomeravam no chão enquanto ele esperava. Souza, o dono da mercearia passava para retornar do trabalho e percebeu o estado em que o rapaz se encontrava, caminhou até ele na esperança de quebrar a abulia oferecendo ajuda, mesmo não sabendo qual o motivo de tanta peculiaridade.
- O que houve Antônio?
Souza não obteve êxito algum, sentiu que Antônio estava ruim, insistiu em ajudar.
- Onde está sua mãe?
Então, Antônio o olhou fixamente nos olhos e sem exprimir qualquer resposta: levantou-se e entrou. Souza começava a estranhar as atitudes do rapaz, mesmo assim decidiu segui-lo, entrou no aposento e procurou por Antônio em todos os cômodos da casa, agora a situação em que a casa se encontrava começava a assombrar Souza. Ao chegar no andar de cima se virou para a primeira porta que viu. Em poucos passos precisos e Souza se encontra tolhido na entrada dum dos quartos. Num canto quase irreconhecível, Antônio se encolhe.
- Por Deus, porque não me avisou antes rapaz? Gritou Souza. Na tentativa de se aproximar do leito de D. Sueli, suas pernas titubeantes o jogaram sobre uma cadeira próxima, D. Sueli numa aparência fúnebre. Permanecia com os olhos arregalados e brancos, sua pele pálida lhe dava a pior impressão, pior ainda de quando estava viva. Seus dedos expressavam a dor que sentira ao agonizar, suas pernas espalhadas, um para cada lado demonstrava o quanto ela se debateu ao morrer. Sua boca aberta, onde moscas entravam e saiam não podiam mais resmungar, coagir Antônio, muito menos. Restava a Antônio se retirar deste decrépito enfaro, porém o que mais o preocupava não era a morte de sua mãe, que como ele mesmo dizia, já estar morta antes mesmo de perder a vida, a angústia de Antônio era perante seu futuro. Como era muito novo pra trabalhar, vivia as custas da aposentadoria de seu pai falecido, só lhe restava morar na cidade com seus tios cristãos.
No enterro da mãe, Antônio não derramou lágrimas de dor, de seus olhos escorriam lágrimas de desespero. Os poucos amigos da vizinhança apareceram para amparar Antônio, também estavam presentes, seus tios que vieram da cidade após dois dias de viagem, eles também não choraram de dor, devem ter chorado de alívio, pois difamavam a falta de fé de D. Sueli, repugnavam suas atitudes grosseiras e desleixadas, chegaram até a fazer campanha de oração na igreja que freqüentam, agora, se o diabo possuía, ou não, o corpo da velha, só em outro plano se encontra a resposta. No caso de Antônio e toda sua bondade de rapaz civilizado, sobrou uma vida imprópria na casa dos tios.
Para os bons, a vida é muito severa, ainda mais a ele (Antônio) que nunca freqüentou a igreja, o vicio do cigarro é alvo de críticas todo santo dia. Nem bem acorda e já é requisitado pela tia que grita na porta do quarto.
- A missa Antônio, a missa!
E a impressão que acompanha sem cessar no novo lar de Antônio, é de que qualquer dia desses, ele vai ensandecer de uma vez por todas.
(Bom, pelo que me lembro, este conto foi escrito a uns dois anos atrás (2005), numa fase estranha da minha vida, acabávamos de nos mudar, eu minha mãe e irmã, viemos de Guarulhos/SP para Indaiatuba. Eu ficava no quarto escutando música clássica e fumando feito caipora, um cigarro atrás do outro. Não tínhamos amigos, começamos tudo do zero praticamente, no começo foi difícil, meu lazer era me trancar dentro do quarto e ficar desenhando, pintando ou escrevendo coisas neuróticas, ta aí o resultado de uma criatura minha – risos. Hoje as coisas estão mais estáveis, tenho amigos, não fumo mais Marlboro e nem paro dentro do quarto (muito menos em casa) mais, acho que o Antônio que vivia dentro de mim resolveu agir ao invés de se deixar levar pela bondade passiva que determinava o fluxo de vida que lhe impuseram).