sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Vida Soturna (Conto)


Lá estava a lua, através da janela aberta do quarto, entrava uma brisa fria e confortava Antônio no verão soturno. O Antônio é um rapaz calmo e conhece a si mesmo, gosta de fazer amigos, apesar de nunca escolher os certos amigos, se bem que o próprio Antônio não é tão certo assim, mas entre seus amigos mais velhos, sua juventude está avançada para um pequeno rapaz.
E é assim que todos os enxergam, como um pequeno rapaz boa pinta, magrela e sempre sorridente, até em situações complicadas, Antônio dá a volta por cima sorrindo. Admito que ele não vê a vida como um mar de rosas cobrindo a consciência, a visão que ele tem do mundo é exatamente como o verão de Fevereiro, uma visão soturna da vida.
Hoje mesmo, o rapaz está acordado quando deveria estar dormindo, algo muito novo lhe aconteceu durante o dia, e o deixou numa ansiedade noturna. Esperando logo que o dia expulse a noite, retirou um cigarro para fumar, subiu na janela rente a lua e ficou a renhir o que tortura a consciência.
Baratas caminhavam escondidas pelos cantos escuros do quarto, teias de aranhas pregadas por de trás dos armários e cabelos negros desfilam ao vento pelo chão do quarto.
Antônio se queixa desta sujeira, sua triste rotina ao lado da mãe cansada e desamparada, só sabe desancar a lerdeza do rapaz, dizendo coisas que mais serve a ela própria, como uma péssima dona de casa. Tudo o que ela mais anseia são as novelas da tv, a casa fica como esteve, suja, aparentando ausência de humanos. D. Sueli é austera, a ponto de ver o filho chorando e o ignorar por não querer se envolver, ao contrário de Antônio que possui bondade demais.
A bondade, às vezes, atrapalha o individuo, num mundo onde nos deparamos com a crueldade logo que acordamos, nos colocamos no pesadelo realista em derredor de dividas, só por viver, pois até na hora da morte se gasta dinheiro, e quando somos bons demais com os outros, corremos o risco de morrer dependurado numa cruz. Bondade demais é risco de vida.
Terminando o cigarro, Antônio, ainda transbordando angústia, acende outro cigarro ao saltar para dentro do quarto, algo que D. Sueli abomina em sua presença. Sem se importar com seu ato antagonista às regras da casa, atravessa a porta do quarto e passeia pelo corredor alastrando a fumaça do cigarro. Pronto para ouvir um grito de alerta, segue para o quarto de sua mãe. O cheiro de mofo encobre preponderante ainda, o corpo estirado na cama, mesmo com o cheiro de cigarro dominando o quarto, D. Sueli ainda permanece intacta em seu leito, num espelho próximo ao canto, o rosto lépido de Antônio não reflete o que por dentro está confuso. Coberto por uma máscara alheia a sua angústia, desfere um golpe que destrói o espelho em pedaços. Antônio se coloca de pé aos pés de sua mãe e põe-se a observar a pose em que ela está, ali ficou até o cigarro chegar ao fim. Em sua cabeça passavam lembranças que preferia esquecer, mas são lembranças ruins que hoje se tornaram burlescas, não são nada mais que imagens inocentes que o tornaram forte, por isso ele as passa sem parar e segue a relembrar em busca de algo que o faça rir, até que existem algumas, se o futuro inesperado que o aguarda não torturasse tanto sua ética, ele até poderia rir de algo.
Cansado de espremer o cérebro, Antônio volta para seu quarto na tentativa de dormir tranqüilo, se vira para um lado, se vira pro outro e nada, nem sequer o silêncio das vozes em sua mente, continuam a motejar o coitado. Ele e senta no escuro, se deixa levar pela consciência, até que o alvor surge entre as festas da velha janela de madeira.

Seu rosto abatido o acompanha pelas estradas de terra. Depois de uma longa caminhada ele encontra a mercearia do Souza.
- Posso usar o telefone para uma emergência?
- Claro, Antônio, é algo com sua mãe? Pergunta Souza todo preocupado.
Antônio não tinha tempo pra dar explicações, logo que termina a ligação, sai voando sem ao menos agradecer. Durante toda tarde, Antônio ficou sentado em frente à porta de sua casa, observando as cercas que seguiam por um longo caminho até se perderem no meio do mato enorme. As moscas pousavam em seus pés, rodavam sua cabeça, e ele, nem se movia, a não ser quando era pra acender outro cigarro. Seus olhos abatidos estavam perdidos num infinito patamar de questões sombrias, a sua volta reinava um silêncio comum da rotina. Um vira lata familiar que carregava uns parasitas passou e por pouco tempo observou o rapaz com desprezo até se retirar. Seus lábios tragavam a fumaça viciosa e nada mais diziam. As bitucas de cigarro se aglomeravam no chão enquanto ele esperava. Souza, o dono da mercearia passava para retornar do trabalho e percebeu o estado em que o rapaz se encontrava, caminhou até ele na esperança de quebrar a abulia oferecendo ajuda, mesmo não sabendo qual o motivo de tanta peculiaridade.
- O que houve Antônio?
Souza não obteve êxito algum, sentiu que Antônio estava ruim, insistiu em ajudar.
- Onde está sua mãe?
Então, Antônio o olhou fixamente nos olhos e sem exprimir qualquer resposta: levantou-se e entrou. Souza começava a estranhar as atitudes do rapaz, mesmo assim decidiu segui-lo, entrou no aposento e procurou por Antônio em todos os cômodos da casa, agora a situação em que a casa se encontrava começava a assombrar Souza. Ao chegar no andar de cima se virou para a primeira porta que viu. Em poucos passos precisos e Souza se encontra tolhido na entrada dum dos quartos. Num canto quase irreconhecível, Antônio se encolhe.
- Por Deus, porque não me avisou antes rapaz? Gritou Souza. Na tentativa de se aproximar do leito de D. Sueli, suas pernas titubeantes o jogaram sobre uma cadeira próxima, D. Sueli numa aparência fúnebre. Permanecia com os olhos arregalados e brancos, sua pele pálida lhe dava a pior impressão, pior ainda de quando estava viva. Seus dedos expressavam a dor que sentira ao agonizar, suas pernas espalhadas, um para cada lado demonstrava o quanto ela se debateu ao morrer. Sua boca aberta, onde moscas entravam e saiam não podiam mais resmungar, coagir Antônio, muito menos. Restava a Antônio se retirar deste decrépito enfaro, porém o que mais o preocupava não era a morte de sua mãe, que como ele mesmo dizia, já estar morta antes mesmo de perder a vida, a angústia de Antônio era perante seu futuro. Como era muito novo pra trabalhar, vivia as custas da aposentadoria de seu pai falecido, só lhe restava morar na cidade com seus tios cristãos.

No enterro da mãe, Antônio não derramou lágrimas de dor, de seus olhos escorriam lágrimas de desespero. Os poucos amigos da vizinhança apareceram para amparar Antônio, também estavam presentes, seus tios que vieram da cidade após dois dias de viagem, eles também não choraram de dor, devem ter chorado de alívio, pois difamavam a falta de fé de D. Sueli, repugnavam suas atitudes grosseiras e desleixadas, chegaram até a fazer campanha de oração na igreja que freqüentam, agora, se o diabo possuía, ou não, o corpo da velha, só em outro plano se encontra a resposta. No caso de Antônio e toda sua bondade de rapaz civilizado, sobrou uma vida imprópria na casa dos tios.
Para os bons, a vida é muito severa, ainda mais a ele (Antônio) que nunca freqüentou a igreja, o vicio do cigarro é alvo de críticas todo santo dia. Nem bem acorda e já é requisitado pela tia que grita na porta do quarto.
- A missa Antônio, a missa!
E a impressão que acompanha sem cessar no novo lar de Antônio, é de que qualquer dia desses, ele vai ensandecer de uma vez por todas.

(Bom, pelo que me lembro, este conto foi escrito a uns dois anos atrás (2005), numa fase estranha da minha vida, acabávamos de nos mudar, eu minha mãe e irmã, viemos de Guarulhos/SP para Indaiatuba. Eu ficava no quarto escutando música clássica e fumando feito caipora, um cigarro atrás do outro. Não tínhamos amigos, começamos tudo do zero praticamente, no começo foi difícil, meu lazer era me trancar dentro do quarto e ficar desenhando, pintando ou escrevendo coisas neuróticas, ta aí o resultado de uma criatura minha – risos. Hoje as coisas estão mais estáveis, tenho amigos, não fumo mais Marlboro e nem paro dentro do quarto (muito menos em casa) mais, acho que o Antônio que vivia dentro de mim resolveu agir ao invés de se deixar levar pela bondade passiva que determinava o fluxo de vida que lhe impuseram).




quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Aninha (Conto)

Os olhinhos dela acalentavam a ansiedade, em sua mãozinha os dedinhos se curvavam e levantavam-se espontaneamente e inconscientes ordenados pelo furor de emoções que sentia.
Não havia pisca-pisca algum para refletir-lhe nos olhos amendoados, mas estes brilhavam intensamente uma esperança triste, inconformada com a realidade.
Ainda ontem arrastava e cravava uma colher na areia vermelha do terreno baldio ao lado da casa onde mora, pegou escondido da mãe após o almoço: pão e feijão.
Ela fez um castelo, uma fortaleza cercada de água de esgoto onde nenhum mal pode se aproximar dos portões que selam a fronteira mundana. E ficou ali, plantada, feito gira-sol, observava calada, encantada com seu feito artístico.
Considerava-se a maior arquiteta do mundo, nem sua casa construída aos papelões encontrados possuía tanto glamour que seu castelo.
Aconteceu que a mãe se deu conta da colher, e descobriu a brincadeira, ralhou com a menininha, a chuva castigava naquele fim de tarde, e ela se pôs a chorar escondida dentro do banheiro.
No outro dia de manhã ia ajudar a mãe nos faróis da metrópole cinzenta, acordou cedo e foi logo despertando a mãe delicadamente, prepararam as poucas gomas que sobraram e saíram em busca de um ganha pão.
A cidade fica cheia de símbolos natalinos nessa temporada festiva, a menininha encantava-se mesmo não entendendo o verdadeiro sentido de tantos clichês. Ela saltava durante a caminhada, eufórica, ouviu de um coleguinha a respeito dum tal papai Noel, mas não entendeu direito, sabia que ele estava pra chegar, mas não sabia quando e nem onde.
A cada vitrine que ficava para trás seus olhos amendoados alimentavam-se de cores e enfeites brilhantes das novas lojas que surgiam. De repente ela parou, sua mãe a puxava pelo braço na intenção de prosseguir, mas ela insistiu em paralisar, e paralisou. A mãe a observando logo se deu conta do que era, não deu a mínima á surpresa da filha.
Os olhinhos dela acalentavam a ansiedade, em sua mãozinha os dedinhos se curvavam e levantavam-se espontaneamente e inconscientes ordenados pelo furor de emoções que sentia.
Não havia pisca-pisca algum para refletir-lhe nos olhos amendoados, mas estes brilhavam intensamente uma esperança triste, inconformada com a realidade, e pensava sobre o objeto banhado a ouro, bordado artesanalmente flores de jasmim e luxuosamente acompanhado de uma gema belíssima no cabo.
- Quando eu vou poder ter uma colher como aquela da vitrine?
Indagou seu ser...
Indagou seu ser...
Indagou seu ser...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

(...) Se é Natal Não Sei!

É dia cinco de dezembro, uma chuva como outras sequer, mas chuva de dezembro essa...
Parece até ritual, costumo me inspirar enquanto gotas molham todo lugar.
Odeio natal!
Um trépano numa caixa embrulhada em papel presente vermelho, laço de cor fria e um cartão com mensagens solidárias até que me acomodaria nessa época tão festiva. Eu acho...
Podemos é arrumar as bagagens e ir pra longe dessas luzes coloridas sem brilho algum. Só teu sorriso me poupa grana, ocupa as horas, satisfaz minha alma, brilha mais teu olhos em cores quentes do que esse pisca-pisca infernal.
Natal é tão triste quando se está só, enamorando tudo muda, e agora meu refúgio está em seus braços onde encontro sentido pra todas as simbologias que representam esta data. Não, aos presentes limitados e arvores enfeitadas, não preciso de felicidade natalina, nem de parentes que tão distantes me querem secretamente só até o dia da revelação, brincadeira sem senso. Antes, quando criança entendia tudo como consumo, associava esse dia aos montes de brinquedos que ganhava, mas hoje compreendo tudo sem novidade alguma: consumo.
Passo o ano todo em estado evolutivo, são poucos parentes que reconhecem isso e fazem visitas surpresa, esses merecem meu reconhecimento e consideração leal, mas infelizmente não gosto de entregar tais qualidades dentro duma caixa embrulhada. Está tudo aqui, de prontidão em mim!
Odeio natal, cada vez mais que se aproxima da véspera desejo mais que passe ligeiro, tão ligeiro que nem me dê conta do furor, pois todo ano são as mesmas coisas, os mesmos rituais natalinos, as mesmas cores e canções antigas, e eles prometem mudar no ano novo que vem.
Será que Jesus tem noção do que se transformou a sua data de nascimento? Um monstro consumido pelos donos do dinheiro sujo, um carnaval vermelho de causar inveja e inimizade nas classes baixas, um banquete que sobra e vai pro lixo, um buraco no estômago que só aumenta a cada piscada das luzes.
Não é justo!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Artes Superficiais

Uma coisa é fazer naturalmente, outra é artificialmente...
E dentro da estética sobressaltar somente a beleza externa, por dentro: vazio e sem concepções nenhuma, sem pré, nem retórica.
Isso de fato ocorre demais, e me deixa angustiado: falta de criatividade, originalidade. Comento sobre por causa da hierarquia injusta da distribuição interna de algumas empresas, nem ao menos diálogo ou idéias construtivas, nem ao menos consideração pelos envolvidos e até mesmo pelo trabalho todo em si... Artificial, sem propósitos, nem estética própria (pra dizer sinceramente), não se tem olhar critico sobre o próprio trabalho realizado, o mesmo erro persiste orgulhoso, coisas de amador, longe de ser profissional.
De que adianta comprarmos um livro pela capa?
De que adianta fazer arte sem sentido algum?
Pra que produzir o artificial?
Quando tratamos de arte, independente de que área se trate, devemos primeiro desconfiar do primeiro achado (idéias), depois argumentar essas idéias; precisamos definir a quem se dirige e por que da realização de tal arte. A arte precisa de essência e razões pra existir, assim como não existir razão numa arte, a torna superficial (se você prefere quantidade ao invés de qualidade, não dirijo essas palavras ao olhares devoradores quantitativos, estou cobrando qualidade, então nem termine a leitura, a linguagem aqui tratada é pragmática ao extremo, a não ser que tua mente seja aberta, poderá rever seus conceitos).
Uma coisa é admirar uma obra pronta, se inspirar e produzir algo original, pois o mundo da arte funciona como “industria de idéias”, agora, mesmo usurpando a idéia de um artista, garanto que as perspectivas serão ainda diferentes. Faça você mesmo! Trabalhe com que tem, use a imaginação, e se não tem experiência aguçada sobre o teu olhar, comece agora a treinar isso, se não entende do assunto não pode criticar (vaia de bêbado não vale), se não tem conhecimento das cores e composição não pinte, se não organiza sua idéias não pode traduzi-las pro papel, se não conhece a si mesmo se tornará mais um na multidão.
Minha professora de Artes plásticas sempre dizia: “desenhar é como dirigir carro, você pode ter carta e noção do que fazer com o volante nas mãos, mas se você não pratica...” .
Primeiro é preciso gostar do que se faz, não faça por fazer, isso é feio, é melhor nem tentar quando o desleixo vem naturalmente, frontalmente. Lembre-se, procure sempre fazer criticas construtivas, não aponte somente os defeitos, arranje soluções. Criticar a arte dos outros é muito comum e fácil.Se você não leva jeito realmente pra arte, então desista, deve-lhe existir algo que faça melhor, como assistir a televisão ou limpar as substâncias que teu cachorro deixa diariamente no quintal... Não seja uma cópia dessa substância.